

A cavidade bucal é a nossa porta de entrada dos alimentos, líquidos e de diversas substâncias em nosso organismo e consiste em um ambiente composto por milhares de microrganismos que podem causar infecções e desencadear problemas em todo o corpo caso ocorra um desequilíbrio nesse meio. A higiene bucal é um cuidado básico que auxilia na manutenção desse equilíbrio e, quando há negligência desta medida de cuidado, ocorre um aumento do número, da variedade e do potencial patogênico desses microrganismos, os quais podem ser disseminados para outros órgãos através da circulação sanguínea.
Um dos problemas bucais mais comuns é a periodontite, uma inflamação que acomete os tecidos de sustentação do dente (gengiva e osso) e é considerada a sexta doença mais prevalente no mundo. Diversas outras condições, como diabetes, doenças cardíacas e respiratórias, têm sido fortemente associadas à periodontite, embora os mecanismos ou associações causais não tenham sido completamente estabelecidos. A periodontite é caracterizada pela destruição progressiva do tecido gengival e ósseo, e a interação entre as bactérias gengivais e as nossas células de defesa leva a uma liberação importante de substâncias conhecidas como citocinas que podem ganhar a circulação sanguínea e interferir no organismo como um todo.
Recentemente, estudos têm demonstrado a presença do novo coronavírus em tecidos periodontais, mesmo muitos dias após os primeiros sintomas da infecção. Alguns pacientes com Covid-19, especialmente aqueles com mais de 60 anos de idade e com comorbidades, sofrem uma resposta imune massiva com aumento da liberação de citocinas, associadas a danos em múltiplos órgãos e risco de morte. Essa resposta inflamatória desregulada também ocorre na doença periodontal e pode causar superestimulação do sistema de defesa, o que poderia levar ao agravamento da Covid-19 devido a essa tempestade de citocinas inflamatórias. Por outro lado, o internamento prolongado de alguns pacientes com as formas mais graves da Covid-19 pode favorecer a piora de uma doença periodontal pré-existente, já que a higiene bucal durante o período de hospitalização muitas vezes é negligenciada.
Um estudo recente revelou que indivíduos com doença periodontal infectados com o novo coronavírus tinham 3 a 5 vezes mais chances de serem admitidos em unidade de terapia in- tensiva, 4 a 5 vezes mais chances de necessitarem de ventilação mecânica e 8 a 9 vezes maior chance de morte em comparação com aqueles com boa saúde periodontal, Assim, há evidências crescentes que sugerem que a inflamação resultante da periodontite pode ser um fator de risco para a gravidade da Covid-19. Para evitar esse problema, a avaliação odontológica e a realização da correta higienização bucal tornam-se extremamente importantes na garantia do cuidado e humanização do paciente hospitalizado com Covid-19.
Cabe ao cirurgião-dentista essa avaliação, observando a presença de alterações que possam favorecer um possível agravamento da condição clínica. Esse profissional também é o responsável por orientar o planejamento das ações em saúde bucal e proporcionar um atendimento de alta qualidade em conjunto com a equipe multiprofissional nas unidades hospitalares. Isto vale para todos os pacientes com Covid-19, desde os assintomáticos, em casa, até aqueles em Unidades de Terapia Intensiva com ou sem intubação. Descuidar-se das práticas de higiene bucal, mesmo que por um tempo restrito, pode ter um impacto bastante negativo na evolução clínica dos pacientes com Covid-19. Desta forma, é necessária a implantação de um protocolo de assistência odontológica durante esse período de internamento, a fim de contribuir para a prevenção de agravos e a melhora da condição sistêmica dos pacientes.
Rayle Monteiro Andrade – Cirurgiã-dentista e mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Odontologia da Universidade Federal de Sergipe.
Paulo Ricardo Martins-filho – Epidemiologista e professor dos Programas de Pós-graduação em Ciências da Saúde e Odontologia da Universidade Federal de Sergipe. Líder do Laboratório de Patologia Investigativa.
Ricardo Queiroz Gurgel – Médico Pediatra e professor dos Programas de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPGCS), em Biologia Parasitária (PROBP) e em Gestão e Inovação Tecnológica em Saúde (PPGITS) da Universidade Federal de Sergipe.